12.9.07


“Venha a ‘mim’ o Vosso reino...”


É impressionante como a fé virou há muito tempo um mercado em amplo desenvolvimento. Um dia desses vasculhando meus e-mails como faço costumeiramente pela manhã, o título de um deles me chamou bastante atenção: “Faça o curso de Pastor por correspondência e tenha sua própria igreja”. Que existem cursos de formação para Pastor, como o de teologia, por exemplo, eu já sabia. Isso não é nada de amoral nem, muito menos, ilegal. O que achei mais instigante foi o lance de ‘abrir a sua própria igreja’. Segundo o anúncio seria, mais ou menos, como abrir uma padaria, uma locadora ou um sex shop.

Noventa dias era o prazo oferecido para que eu recebesse em casa a minha carteirinha de Pastor (isso mesmo, carteirinha) ou das duas outras funções oferecidas com variação de valores entre R$ 600,00 e R$ 1.500,00 e junto com o certificado de conclusão do curso, a autorização para abrir a ‘minha igreja’. Fantástico! Um pequeno investimento e... Melhor do que concurso federal!

Gente, a coisa virou comércio. Eu poderia abrir minha igreja até em um shopping. Teria uma clientela bem segmentada com um bom poder aquisitivo. Poderia até criar uma grife!

Mas e a minha fé? Eu não acreditava que aquilo era verdade. Soava como enganação. Não para o ‘aluno’, mas para os fiéis que são enrolados diariamente por diversas igrejas. E aí, deixo bem claro, já que me referi ao anúncio para curso de Pastor que não faço alusão somente às igrejas evangélicas. São todos os tipos, de todas as crenças e doutrinas. Afinal, tem gente boa e ruim em todo os lugares. Mas o que uma pessoa treinada em um curso relâmpago pode levar de orientação espiritual para outra? Será que o reflexo dos falsos líderes não estaria exatamente na intolerância , violência e falta de amor ao próximo?

Certa vez eu estava na fila do banco naquele martírio mensal de pagar contas, quando comecei a observar as particularidades das outras pessoas que estava à minha frente na fila. Enquanto todos esperavam, ansiosamente, a hora de serem atendidos, uma senhora aparentando seus cinqüenta e poucos anos, de vestido longo, véu sobre a cabeça e bíblia embaixo do braço direito, se destacava pela impaciência. Era um perfil típico que remetia às beatas dos folhetins. E enquanto a fila não andava, ela esbravejava. Até então coisas inofensivas, como:
- Isso é um absurdo! Esculhambação!
Até o momento em que, na fila de atendimento especial, algo a chamou a atenção e ela não perdoou:
– Não sei por que esse ‘miséra’ tem que ser atendido primeiro!
Bradava em alto e bom som a religiosa, indignada pelo atendimento especial a um rapaz deficiente físico que, com muito esforço, apoiava-se sobre suas duas muletas. E ela não parava de reclamar. Todos já estavam constrangidos. Menos ela. Ela balançava tanto os braços que eu pensei que ela iria jogar a bíblia no rapaz. Nossa! Onde estava a fé daquela senhora recém-chegada da igreja? Onde estavam a paz, o amor e a fraternidade, bases do cristianismo? Acho que o seu guia espiritual não deve ter estudado esse capítulo no seu curso por correspondência. Pois é. A casa caiu. Ou melhor, a máscara caiu. E cai todos os dias de milhares de rostos. Não adianta rezar, orar, pular, cantar, louvar, se suas atitudes cotidianas não condizem com os reais ensinamentos divinos. Ta cheio de gente por aí que se esconde atrás de uma igreja, de uma doutrina ou religião, investe-se de um falso moralismo e vive em função de sempre levar a melhor em cima dos outros. Mesmo que para isso seja preciso detonar quem quer que seja. Esse com certeza é o público-alvo desses cursinhos milagrosos. Estes precisam sim de uma igreja. Uma só para eles onde possam exercitar suas orações: “Venha a ‘mim’ o Vosso reino...”. Amém!