1.4.08

VIAGEM INSÓLITA

Tem situações na vida que por si só já são engraçadas. Imagine então dividi-las com um amigo e colega de trabalho em um lugar onde vocês não conhecem nada e começam a se aventurar desde o momento inicial da viagem. Dia 12 de julho. Após um dia intenso de trabalho em um evento onde mostrávamos, pela primeira vez, toda a estrutura da nossa instituição ao gestor maior, fomos escalados para uma ida ao interior do Estado onde iríamos montar toda a estrutura para a nossa participação em uma feira regional (stands, comunicação visual, reportagem... E por aí vai.

Com passagens reservadas para o vôo das seis da matina - até que enfim nos mandaram de avião - o pessoal normalmente vai de ônibus mesmo – agora, era só combinar com o motorista da instituição a hora em que ele nos apanharia. Cinco horas. Ele apanhava o primeiro, depois passava pela minha casa que fica pertinho do aeroporto: Uns dez minutos. Faltando quinze minutos para as cinco da manhã meu telefone toca:

- Fala garoto!
- Seu João, é o Marcelo.
- E aí, achou a casa do Hugo direitinho?
Eu nem acreditei na resposta:
- “Sô”, eu já tô é na sua porta.

Putz, eu tinha acabado de levantar e ainda ia para o banho. O “sem noção” chegou ao primeiro ponto marcado ainda por volta das quatro e meia da manhã.
Parecia uma assombração parado na porta lá de casa.

Partimos para pegar o vôo que, só pra não fugir do tradicional, estava atrasado. Fizemos o check-in rapidinho e... Comecei a observar que as outras pessoas que chegavam no aeroporto vestiam camisetas que traziam um desenho de uma folha verde ou um botton preso ao peito. Me aproximei e... Não podia ser outra coisa: Herbalife. “Perca peso. Pergunte-me como”. Gente, parecia uma invasão alienígena. De longe você só via aquele povo verde chegando. É interessante ver como acreditam no produto. São bottons que mostram o resultado da dieta (Perdão. Reeducação alimentar) logo na sua cara: “Eu perdi 7 quilos”, “Eu perdi 15 quilos”... Estava estampado em cada botton. Enquanto isso eu procurava um botton na minha bagagem que pudesse colocar: “Eu achei todos os quilos perdidos”. Ou então que mostrasse o quanto eu me dei bem com o Herbalife (Fui usuário. Ou melhor, consumidor. Usuário parece coisa de quem pegou tóxico). Queria mesmo era colocar no peito bem grande: EU PERDÍ R$ 450,00. Mas não deu. Era hora de embarcar. Corri na frente para não pegar aquela legião de “sheikólatras”. Sentadinho e apertadinho no avião, era hora de tentar dar um cochilo para compensar a hora a menos de sono roubada pelo motorista. Mas como? Lembra-se dos verdinhos? A aeronave (quando a gente fala em aeronave parece uma coisa grande, moderna... Não é bem isso. É porque já tinha usado o nome ‘avião’ e não ficaria bem colocar um palavrão aqui para expressar o que realmente parece aquela pôrra. Ops! Escapou) parecia mais um ônibus de excursão. Era uma galera falando alto, aos berros, trocando potes de sheik sabor chocolate por potes de morango... Até que dois deles (dos verdinhos) não se contiveram com o fato de expressar individualmente a quantidade de peso perdido com o uso dos produtos e resolveram fazer um levantamento de toda a comitiva. Quinhetos e trinta quilos. Foi quanto o senhor de seus quarenta e poucos anos e cabelos já grisalhos apontou como resultado de perdas naquele avião. Segundo ele, se tivesse essa meia tonelada a mais o avião nem decolaria. Eu acho que mesmo com esse peso a bordo, incorporado, era só deixar os trezentos potes de sheik e os mil e duzentos frascos de cápsulas de chá verde que o avião voaria sim, tranquilamente. Meu medo era que eles fossem participar da mesma feira que eu. O medo ainda maior era que estivessem no stand vizinho. Desci no meu destino olhando para trás e não via nada verde. Era um colorido natural que me deu a certeza de que aquela comitiva não ficaria ali. Seguiram no vôo. Espero que tenham ficado presos no caos aéreo.
Já no nosso destino, após o desembarque pegamos um táxi e, conversando com o motorista, descobrimos que todos os hotéis estavam lotados. Eram quatro eventos de grande porte que aconteciam na cidade ao mesmo tempo e toda a rede hoteleira, moteleira e até a “cabarezeira” estava tomada por turistas.

O taxista sugeriu um hotel perto da rodoviária que dava até medo de entrar. Eu entraria muito mais tranqüilo em qualquer morro carioca controlado pelo narcotráfico sem companhia do capitão nascimento. Acabamos ficando pertinho da margem do rio Tocantins. Por sorte, quando cheguei no hotel (fiquei em hotel mesmo. Tenho como provar) estavam saindo dois amigos e acabei ficando no quarto que eles desocuparam. O restante da equipe que só chegou à tarde no mesmo dia teve que se arrumar em casas de pessoas conhecidas, pois não conseguiram mais vagas em nenhum outro lugar.

Quarto garantido, era hora de procurar algum lugar para tomar um bom café da manhã. Perguntei ao recepcionista do hotel onde era a rua principal do comércio e partimos para lá na humilde intenção de tomarmos um café com pão. A rua era extensa. Mais de meia hora andando e tudo fechado. Nem sinal de um ovo frito pelo menos. Tentava sentir no ar o cheiro de um café novinho sendo passado na hora. Mas nada. Quase depois de uma hora de andança uma senhora de cabelos brancos e um sorrisinho escroto olhava para nós e nos oferecia uma bandeja de pão de queijo. Não era bem o que procurávamos, mas a fome já exigia que fosse ali. Após um café da manhã reforçado e caríssimo, resolvemos voltar para o hotel para descansarmos até chegar a hora em que iríamos ver o local do evento.

- Vamos por esta rua aqui!
Disse o meu amigo já cansado de andar e, agora, também com preguiça.
- Vamos sim! Daqui para o hotel é quase uma reta.
Concordei.

Nos primeiros quinze metros que andamos começou a bater um misto de constrangimento e indignação e a cada dez metros, esse sentimento ia se revezando entre a raiva e a vontade incontrolável de rirmos de nós mesmos. Vários restaurantes, lanchonetes, bancas de alimentos, de frutas, lojinhas de café da manhã... Até bike lanche transitava por ali. E nós dois, com a razão de um mundo nas costas, andando uma hora na contramão. O constrangimento foi tão grande que no restante dos dias que passamos na cidade fizemos questão de tomar o café no hotelzinho mesmo.

Mas esta era só a segunda etapa da nossa aventura. Após descansarmos no hotel até o final da manhã, por volta da onze horas tive a brilhante idéia:
- Vamos aproveitar que o pessoal ainda não chegou com o carro e vamos nos adiantar para conhecer o local do evento. Podemos ir logo a pé.
Disse eu ao Hugo quase desacreditando da idéia.

Perguntei para o recepcionista se dali para o local onde trabalharíamos dava para ir a pé. Ele disse que sim. Pegamos uma orientação rápida quanto ao sentido e partimos para chegar na frente. O rapaz não tinha mentido. Dava para ir a pé sim. Cinco quilômetros em um sol de seus 38 graus. Com a ajuda da camiseta pólo preta do fardamento que estávamos usando, parecia ser de 380. Então aviso: desconfie quando você pedir uma informação sobre a distância de algum lugar e a pessoa te disser que é bem alíííííííííííííí ! Eu nem vou comentar como estava a cara e o estado físico do Hugo, né?!

Faltando dois quarteirões para chegarmos ao nosso destino, eis que pára ao nosso lado o carro com o resto da equipe:

- Querem carona?
Com toda a dignidade restante em mim respondi:
- Não, já está bem pertinho.
O Hugo quase morre. Mas fazer o que, né? Amigo tem que ser solidário e além dele ser um ótimo amigo eu ainda era chefe dele. Coitado!

Chegando ao local e após bebermos quase toda a coca-cola existente no lugar, era a hora de conhecermos nosso stand. Opa! Nosso espaço não era lá no fundo, escondido! No mapa do evento estava diferente. Teríamos mais destaque. Então, hora de darmos mais destaque. Nossa primeira atitude foi invadir o stand logo da entrada do salão. “Prefeitura de Não sei de onde”. Estava escrito na placa que arrancamos para colocar a nossa no stand. Quando o pessoal que ficaria no estande da prefeitura chegou, olhou desconfiado... Ficou meio por ali... E aí, com cara enfezada, me chamaram:

-Ei moço! Esse espaço aí era o nosso.
- Era não, Senhora. Este espaço, a organização do evento nos destinou por conta da facilidade de conexão com a internet que iremos precisar. Pode verificar no mapa geral que está modificado.
Mentira! Mas o “migué” colou. Ficamos com o melhor estande e ainda roubamos – pegamos emprestado – quase uns dez metros de arame que prendiam os balões da decoração do espaço do Corpo de Bombeiros. Tava vendo a hora o stand levantar vôo com tanto balão solto. Mas consegui prender meu banner. Como não tínhamos levado alicate, aproveitei a tesoura que pedimos emprestada a biblioteca – o evento era em uma faculdade –e cortei os arames. Agora acho que eles não vão mais nos emprestar nada.

Depois de tudo montado já passava do meio dia. Hora de almoçarmos. De imediato só lembrava de uma churrascaria em que tinha almoçado em uma outra viagem e me dirigi até lá com o Hugo. Desta vez fomos de carona.

Chegando no restaurante, depois de ter sonhado com picanha por quase quinze minutos durante o percurso, era só sentar e comer, não era? Era nada. Tinha umas 436 pessoas almoçando e outras 157 esperando e, obviamente, na nossa frente. Depois de esperarmos quase uma hora, sentamos. Assim que nos servimos, uma senhora que também procurava um local para sentar e almoçar chegou até nós e perguntou se poderíamos dividir a mesa com ela. Gentilmente, vendo a superlotação daquela que parecia ser a única churrascaria da região, permitimos.

Odeio sentar com gente estranha, mas ainda assim, tentando ser cortês, tentava iniciar uma conversa amistosa daquele tipo:
- A senhora está aqui para algum evento? É daqui do Maranhão mesmo? Qual seu signo?
Para nenhuma das perguntas acima e as outras muitas que fizemos tentando um contato, tivemos êxito. No final do almoço, depois de termos comido quase um quarto de boi e umas três galinhas cada, era hora de pedirmos a conta. Qual não foi nossa surpresa quando o garçom chegou e nos deu a notinha referente a três rodízios. Pensei que era porque tínhamos comido muito, mas, mesmo assim, perguntei qual motivo do terceiro rodízio. Simples a resposta: A nossa companheira de mesa (lembra?) deixou para nós. Depois de desfazermos o mal-entendido era hora de irmos para o hotel e descansar um pouco.

Sem ter muita noção de onde estávamos em relação ao hotel, convidei o Hugo para irmos andando. Prontamente ele concordou. Juro.

A viagem estava realmente traçada para ficar na história porque até por um enxame de abelhas no meio da rua nós passamos antes de andar uns 40 minutos de volta até o hotel. Depois que percebemos que estávamos no lado oposto da cidade.

Enfim, no quarto, um bom banho e um bom cochilo para descansar um pouco antes de voltarmos para o evento. Por toda a tarde o evento ocorreu tranquilamente, sem que ninguém quisesse tomar nosso stand.

Voltamos para o hotel, assistimos um pouco de tv e a fome começou a incomodar. Só para não perdermos o hábito, resolvemos dar uma volta atrás de algum local legal para jantarmos. Panqueca. Não está dentro das minhas preferências culinárias, mas confesso que também estava cansado e ficamos onde era mais perto mesmo.

O ambiente era bastante agradável com um belo jardim, algumas redinhas sob quiosques de palha de buriti e uma iluminação bem interessante. Algumas crianças brincando... Um ambiente bastante agradável e familiar.

Depois de escolhermos uma, entre as 30 mesas vazias, pedimos o cardápio. A opção única era panqueca. Restava apenas escolher o sabor do recheio.

A garçonete era muito simpática comigo e com o Hugo e bastante atenciosa, pelo menos comigo.
- Eu quero uma panqueca de camarão com catupiry - Disse eu.
- A minha pode ser quatro queijos – Escolheu o Hugo.
- E para beber o senhor vai querer o quê? – Perguntou a moça atenciosa, para mim.
- Coca-cola – Obviamente!
- Uma Jesus – Aproveitou o Hugo para fazer seu pedido também.
Após anotar atentamente os meus pedidos. A garçonete prontamente confirmou tudo:
- Então senhor, uma panqueca de camarão com catupiry e uma coca-cola. Ok?
- Sim, tudo ok! – Afirmei.

Quando o Hugo esperava o mesmo, ela virou para ele de forma bastante atenciosa e disse:
- E o senhor, não vai pedir nada?

Pense numa atenção absurda!

Só vendo mesmo a cara do Hugo para ter noção da desolação que ele ficou. E o bichinho, muito educado com sempre, reclama pra cassete.

Depois de uma longa conversa com a garçonete ela permitiu que o Hugo escolhesse e aí as panquecas chegaram.

Depois de jantar saímos para dar uma conferida na ‘night’ do local. Paramos em uma cachaçaria. Pedimos uma cachaça na verdade só para passar o tempo. Prontamente o garçom trouxe a bebida. Uma para mim e outra para o Hugo. Cada uma com uma azeitona como acompanhamento. Depois de degustarmos a ‘branquinha’ com a azeitona, era hora de ir.

- Companheiro, a conta, por favor! – Pedimos
- Pronto senhor!

Putz! R$ 26,00?! Que cachaça cara do cassete. Sairia mais barato se fossemos ao show de Samantha Becker (uma striper que estava hospedada no quarto ao lado do nosso e faria uma apresentação naquela noite na cidade). Nesse preço a gente comeria bem mais que a azeitona.

Depois de toda a aventura em Imperatriz era hora de seguirmos de volta pra casa. Aeroporto (pequeno) lotado, só conseguimos sentar numa muretinha que ficava do lado de fora do saguão. Para que nossa viagem não fosse encerrada sem uma nova emoção, quando fui fazer o meu checkin, uma “moça” que, tenho quase certeza que ajudou a derrubar o governador de Nova York, e todos os seus amigos da empresa aérea me pediu para dividir a minha franquia de bagagem com ela. Depois disso, sentamos e, por sorte nossa, ficamos ao lado de um casal que estava com uma criança de, aproximadamente, uns quatro anos.

Quase meia , um sujeito, que tenho minhas dúvidas se é realmente pai do menino, teimava em brincar com a criança repetindo uma frase com um tom de voz estridente que mais parecia o Tiririca. “É o ‘fiinho’ de papai é?!”.

O Hugo ainda deu a sorte de encontrar com uma amiga que precisava de uma grana para completar o valor da passagem dela para São Luís para resolver um problema urgente que tinha surgido. Pense num calote de despedida!

Êita viagem inesquecível!

Brasília vem aí.