25.9.06


PÉ DE ALGAROBA

Durante toda a nossa vida procuramos entender a nossa origem ou descobrir o nosso passado. Com os avanços da tecnologia, descobrir nossa linhagem ficou cada vez mais simples. As revelações quanto ao nosso passado é que até hoje não são exatas ou, na maioria dos casos, aceitáveis. Quando falamos em vidas passadas (para quem acredita) é comum todas as “evidências” apontarem para a nobreza. Não se ouve falar que alguém que fez uma regressão de vidas passadas, tão difundida nos consultórios de psicanálise em todo o mundo, descobriu ter sido um escravo, prostituta ou ladrão, que viveu na África ou em pequenos países asiáticos. Quase todos os resultados apontam para uma vida nos castelos europeus. São todos nobres. No máximo, um revolucionário camponês de cabelos loiros e bochechas rosadas.

Comigo a coisa aconteceu de uma forma mais modesta e bem diferente. Acordei assustado no meio da noite com um sonho que, para mim, foi bastante revelador. Estava em uma sala com mais outras pessoas quando de repente chegaram uns homens em seus cavalos. Lembro-me de serem três. Todos com um ar bastante misterioso e, dava para perceber, armados. No primeiro momento não era percebida a intenção do bando que se aproximava, mas no desenrolar do sonho (neste momento, se contássemos como novela, seria o quarto capítulo) já dava para entender a intenção da “visita”. Lembro-me de ficar espreitando toda a movimentação que acontecia em uma imensa casa que, pela decoração para a região em que o acontecimento se desenvolvia, era de gente muito abastada. Eram salões imensos com enormes cortinas. Em um desses salões espiava a conversa entre o dono da casa e o que parecia ser o chefe daquele grupo recém chegado. Via nos seus olhos a intenção de matar.
Como só em sonhos acontece, lá estava eu, repentinamente, de arma nas mãos. Era um rifle de grande porte com o qual eu me esgueirava com muita destreza pelos cantos da casa. O objetivo era intervir se necessário. Não saiu um tiro, mas a sensação estava alí.Tinha incorporado a figura de um ágil guerreiro. Não um gerreiro nórdico das highlands escocesas . Na verdade remetia ao Nordeste brasileiro. Nordeste do cangaço de Virgulino. O sertão de Corisco, de Dadá.
Era como eu me sentia: um cangaceiro. E dos bons! Talvez aí esteja a explicação para o meu fascínio por armas brancas e o bom domínio com armas de fogo. Além da visão e audição aguçada.


E minha cara nunca negou. Sou nordestino desde outras gerações, ou melhor, desde outras vidas. Mas ser nordestino é legal. Só vou tentar me acostumar com as novas raízes. Quem me dera agora um pé de algaroba pra armar uma rede!

18.9.06

CINCO DIAS DE COCA-COLA
As aventuras de um jornalista paraibano na capital do Brasil

Parecia uma miragem. Saí do hotel barato que um amigo baiano que morou em Brasília me indicou e seguí rumo ao planalto. Tentava me guiar pela imagem que vi na noite anterior, quando chegava do aeroporto, da catedral metropolitana toda iluminada. Sabia que estava perto, bem perto.


Fui andando com cuidado, procurando o tão falado canteiro central da avenida da Esplanada dos Ministérios. Minha orientação principal era ele. A outra era ter cuidado ao atravessar as intermináveis 12 faixas da mesma. Realmente era uma luta.

Uma duvida às vésperas da minha viagem (depois conto mais sobre a viagem em si) era a distância entre o hotelzinho e o Congresso. Acabou que, nem era tão perto o quanto alguns pregavam, nem tão longe o quanto outros alertavam. Era uma distancia suficiente para me causar três calos devidos aos dias em que encarei o percurso a pé. Mas valeu a pena. Deu para conhecer de perto vários monumentos que, desde menino, só conhecia pelos livros didáticos de Moral e Cívica e pelos noticiários da tv.

Durante o passeio, como um bom turista, máquina fotográfica nas mãos. Como um jornalista receoso, olhos abertos para ver se não tinha ladrão. E não tinha. Ou, pelo menos, não vi. Ou, melhor ainda, não me viram.

Devo confessar que em todos esses dias em Brasília, em nenhum momento me senti em alguma situação de desconforto quanto à segurança.

A cidade também e agradável. Achei que por ser uma cidade com muitos edifícios, seria uma cidade fria, sem vida, mas não, a cidade até que é bem arborizada. Canteiros com flores, calçadas gramadas, muito limpa também.

Dificuldade foi na hora da alimentação. Não por falta de opção, mas pelo pouco dinheiro mesmo. Minhas diárias não saíram a tempo de me pegar durante a viagem. Preferiram me esperar na volta. O shopping center que ficava na quadra em frente ao hotel onde eu estava era a minha base. Era a única coisa que conhecia em todo o Distrito Federal. Passear era lá. Cinema, idem. Compras, também. Almoçar e jantar... Imagina. Na primeira noite, 11 de setembro (depois dou detalhes sobre este dia) quando cheguei de São Luis, acabei jantando numa pizzaria no shopping. Ah! Esqueci de dizer: moro no Maranhão há 5 anos.

No dia seguinte, mais descansado da viagem, voltei ao shopping por volta do meio-dia e comecei a prestar atenção nas lojas, restaurantes, lanchonetes... Foi ai que aquele nome me veio na lembrança: Burguer King. Meus amigos haviam falado dele. É uma lanchonete tipo os Mc Donald’s e Bob’s da vida. Mas o principal eles não me contaram. Foi ai que conheci umas das coisas mais fascinantes de todos os tempos. Você compra o kit com sanduíche, batata... E o refrigerante? Fiquei todo desconfiado quando a atendente me deu um copo vazio. Comecei a observar os outros e, de repente, lá estava. Enorme, vermelha, quase uma parede toda da enorme loja. “Refri Refill”. Desconfiei o que era, mas, como todo bom paraibano, fiquei ali, ressabiado, de canto de olho, observando o procedimento dos “nativos”. Era o que eu pensava: refrigerante à vontade. Isso mesmo! Podia beber o quanto quisesse, quantas vezes quisesse. E lá estava ela, ou melhor, elas. Três torneirinhas só de coca-cola. No primeiro dia fiquei meio por fora. Tomei só um copinho de 500 ml. Na segunda vez, à noite, tratei de sentar mais perto. Ficava mais prático. E assim fui a conhecendo. Criamos uma relação muito próxima.

Foram 5 dias ali, trocando olhares, confidencias. Pertinho um do outro. Vou sentir saudades dela. De Brasília também.

4.9.06


UM MUNDO SÓ MEU


Achei engraçado. No domingo passado, último do século, quase todas as tvs, quase todos os jornalísticos, contavam, ou tentavam contar, a história do período. Que mundo é esse? Não o tenho em minhas memórias. Retrospectiva de quê? Do século? Não tenho esse tempo todo em minhas costas. São apenas trinta e um. E de que me falam? De deuses, de mitos, heróis? Definitivamente, esses não pertencem ao meu mundo. Aqui eles são diferentes. São humanos. De carne e osso, como eu. Senti falta de personagens marcantes e de fatos que permearam os pouco mais de 30% em que me vi prejudicado na reportagem.

Onde estava a dona Damares, dona da fábrica de picolé lá da pracinha do colégio? Ninguém lembrou de mostrar o duro que ela dava para espremer todas aquelas frutas. E ainda ralava o coco pra fazer sorvete. Afinal, sorveteria sem picolé de coco não dá. E Irmã Anunciação? É! A diretora do colégio da ordem das irmãs capuchinhas. Ginásio da Escola Normal Nossa Senhora de não sei mais lá do quê. Não falaram dela nem um só segundo. Parece até que não dão valor às vezes que fiquei de castigo no meio do pátio do colégio pegando aquele sol do pingo do meio-dia. Esta merecia. Construiu um ginásio de esportes só com donativos. Tenha dó. Ela tinha que, no mínimo, ser citada.

E esse Bítus, bítlous, bítous? Não sei nem como se escreve. Não vejo graça alguma. Um bando de cabeludo doidão. Era muito melhor terem colocado imagens do ensaio da banda da escola do lado do muro do cemitério (para não incomodar ninguém) com o maestro bradando por harmonia. Sete de setembro. Muito mais bonito seria o desfile da guarnição municipal do Tiro de Guerra do que botar aquele cara levando um tiro e tendo seus miolos estourados em pleno passeio com a família. John quem? Sei não. Nada disso foi mostrado.

Não falaram nem do meu pai. Nunca roubou nem matou. Não lembro de ninguém, nunca, ter batido na porta da minha casa pra cobrar algo ou falar mal dele. Como um homem desses fica fora de uma retrospectiva? E não vou nem falar da minha mãe. Queria era ver minha vida ali. Algo que mexesse comigo de verdade. Minha primeira namorada, primeiro beijo. A primeira queda de “mobilete”, o primeiro gesso. Nada disso tinha ali. E a Solange, a Penha, que cuidaram de mim e das minhas irmãs, onde estavam? Ninguém tem idéia do duro que elas deram pra ajudar minha mãe a nos criar. Por que não foram filmadas? Dava sim. São só trinta anos. Trinta e um, verdade. Mas, importantes. E olha que nem estou questionando o período mais próximo. Aí sim, teria ainda mais queixas. Imagine se ia deixar passar em branco a minha primeira prancha de surf! E o nascimento do meu filho? Fora de cogitação. Minha formatura. Ou está pensando que concluir um curso superior é moleza? Ainda teria o primeiro dia de aula do meu filho... Ah, tá certo! Então ficaria para a retrospectiva dele. Do mundo dele, que com certeza será bem diferente do meu. Bem diferente desse que mostraram na tv.